Todo mundo é viciado
Todo mundo que depende de alguma coisa para viver é um viciado, certo? Menos os que fazem parte daquela turma saudável que tem horror ao cigarro e se acha um ser superior por não ter nenhum vício; mas será mesmo?
Faz parte de sua rotina acordar, abrir a geladeira e pegar o de-li-ci-o-so suco de laranja, cenoura, beterraba e mel que a empregada acabou de fazer; mas segunda-feira é o dia em que ficou combinado que ela ou chega tarde ou não chega porque ficou doente.
Furioso, ele – que não tem vício nenhum – desce e ruma, desatinado, para uma loja de sucos. E ai de quem ousar encontrar qualquer semelhança entre esse ser saudável e aquele verme dependente de nicotina que sai de madrugada procurando desesperadamente um botequim para comprar um maço de cigarros. Nada a ver, é claro.
Tomar vários cafezinhos durante o dia, o sagrado chope na saída do escritório e três caipirinhas antes da feijoada de sábado são considerados vícios, porque fazem mal à saúde. Mas existem milhares de coisas saudabilíssimas tão viciantes quanto qualquer droga pesada.
Correr na praia de manhã, escovar os dentes depois do almoço, chegar em casa e ir direto para o chuveiro, entrar no carro e ligar o rádio não são vícios, por acaso? Fora o maior de todos: a televisão.
Existe gente que chega em casa e antes de tirar o paletó já liga a TV; as teclas do controle remoto já estão gastas de tanto trocar de canal, e onde encontram coragem para desligar a máquina? Para evitar essa dor foi inventada a tecla timer, assim a televisão se apaga sozinha em noventa minutos, quando já estiver dormindo. Isso é que é amor – e vício.
Existem dois tipos de homem: aqueles que não podem passar um dia sem transar e os que não podem passar um dia sem transar várias vezes.
Como o dia tem só vinte e quatro horas e oito são dedicadas ao trabalho, sete ao sono, duas às refeições, pelo menos uma aos jornais e à televisão, uma no trânsito e umas duas no bar contando que não pode passar nenhum dia sem transar, fica apenas uma dúvida: o vício é a transa ou falar da transa?
Comentar sobre as riquezas das pessoas – não importa de quem – também é uma mania. Existe gente que delira quando fala sobre o gângster (ou seria um produtor de cinema?) que acendia o charuto com notas de cem dólares ou do sultão de Brunei que tem uma Rolls em que todas as peças de metal são de ouro, mesmo que tenham sabido dessas histórias apenas pelas revistas. Vício por vício, são exatamente iguais aos que só se sentem felizes quando falam de tristezas e tragédias.
Uma boa doença é um prato saboroso e inesgotável, e para os que têm algum conhecimento de medicina aí é a sopa no mel: com verdadeira volúpia contam o resultado do exame de sangue de um, da hipertensão do outro e adoram intuir, achando que a coisa pode ser muito mais grave do que estão dizendo – ela conhece, já teve um amigo que ninguém poderia imaginar, casado, com filhos – e por aí vai.
Existem os viciados em fazer análise e estão há trinta anos contando as mesmas histórias para o mesmo analista – coitadinho dele -, e os que têm tudo para ser felizes, mas passam o tempo procurando e encontrando razões para se queixar da vida.
Todos temos nossos vícios; os que fazem mal à saúde – e nesses os amigos, a família e até o governo se metem – e os que são altamente considerados por toda a sociedade, como trabalhar à noite e nos fins de semana ou se sacrificar por alguma causa – esses, louvados em prosa e verso.
Será que vício se escolhe? Pois então tente se viciar em alegria: ela não intoxica nem faz mal à saúde e usada em altas doses é capaz até de mudar o mundo, mas cuidado: pessoas alegres não costumam ser levadas a sério. Por isso, quando estiver com um certo tipo de gente, fique sério e mostre-se extremamente preocupado com a situação em geral.
E não se surpreenda se for promovido e tiver seu salário aumentado. Tem gente que acredita em gente que faz cara de séria, e esse também é um vício – e dos piores.
Texto de Danuza Leão
Imagem daqui
Sabrina claro que pode.
Entra ai no projeto perdas e ganhos
bjs