O texto abaixo foi escrito por Marcelo Pires e está em seu livro P.S. do P.S. do P.S., publicado em 1995. Como estamos em meio à Copa do Mundo e hoje também é comemorado o Dia dos Pais na África do Sul, nada mais justo que publicar este texto aqui. Espero que gostem!

Tem coisas que, para uma menina, são difíceis de entender. A importância do futebol na vida de um filho e de um pai provavelmente é uma delas.

Pai é um cara que, numa sociedade machista que nem a nossa, tá sempre fora de casa, tá sempre dando duro pra segurar as pontas da família. Claro que isso está mudando e, hoje em dia, cada vez mais, é o pai e a mãe que estão sempre fora de casa dando o maior duro, pra segurar a onda.

Mas, mudanças à parte, imagine o que significa, no domingo, o pai, que passou quase toda semana fora, pegar o filho pela mão e dizer: “Hoje a gente vai ao jogo.” O filho já fica todo bobo: a chata da irmã nem foi convidada. Daí o seu pai, com um sorriso malandro no rosto, completa: “E aqui está a camiseta do nosso time. De presente, pra você.” É a glória. Você vira do time do seu pai naquele mesmo instante, dez vezes mais fanático pelo time do seu pai do que o seu próprio pai.

Então vocês vão para o campo.

Como tem muita gente em volta, seu pai segura a sua mão toda hora, com medo que você (cabeça de vento) se perca na multidão. Aquela precaução, pra você que tinha passado quase toda a semana sem dar a mão pro seu pai, significa muito mais do que simples cautela.

Pronto. Você já está nas arquibancadas do estádio. E, de repente, passa o cara do cachorro-quente. Você  tem idéia da importância deste momento? O homem do cachorro-quente, cara leitora! Seu pai, mesmo distraído pelo radinho de pilha, chama o homem e pede um pra você. Sim, o seu pai faz isso. O pão está meio duro. A salsicha. completamente fria. Mas, mesmo assim, esse é o melhor cachorro-quente do mundo, que jamais na sua vida você vai comer igual. Com o refrigerante que seu pai compra é a mesma coisa. É a velha guaraná de sempre. Mas que diferença! O gás do refrí acompanha o ritmo do resto do estádio – que, a esta altura, já está borbulhando. É que o time do seu pai está entrando em campo. E o seu pai vibra. O time do seu pai saúda a torcida. E o seu pai sorri cúmplice pra você.

O time do seu pai dá o pontapé inicial. E o seu pai faz, discretamente, o sinal-da-cruz. Apesar das várias oportunidades, o time do seu pai chega ao final do pri¬meiro tempo sem fazer gol.

Intervalo. Você quer ir ao banheiro. Seu pai explica onde é. E você vai. Sozinho! Se a sua mãe estivesse ali, imagina, nunca que você iria sozinho. Mas você vai. E volta. Numa boa.

No segundo tempo, o time do seu pai continua jogando super bem. Mas nada de gol. Você vê seu pai gritar, roer a unha, mexer no cabelo, dizer palavrão, xingar o bandeirinha. E o time do seu pai que, afinal, não é o time do seu pai por acaso, não decepciona. Faz um golaço aos 37 minutos do segundo tempo. O estádio vem abaixo (você se assusta), seu pai grita muito (você se assusta), todo mundo começa a cantar o hino do clube (você se acalma).

Acaba o jogo e, no caminho de volta, você vem pertinho do seu pai – com a desculpa de também ouvir o radinho de pilha.

Você chega em casa, sua irmã tá lá com aquela cara de quem não viveu tudo o que você viveu e, evidentemente, você não comenta nada – que futebol é coisa de homem. Perfeito.

E o tempo vai passando, todo domingo é dia do pai – já que todo domingo tem jogo do seu time. E se o jogo é longe, em outro estado, em outro estádio, vamos à TV da sala, ou ao rádio do carro, sofrer juntos (o rádio do carro, até hoje, é imbatível no que se refere a trans¬missões de futebol).

Comigo, cara leitora, aconteceu exatamente assim. Meu pai, seu Salvador, o Giuliano, me deu a camisa (e a bandeira) do Inter, de Porto Alegre. Me levou um monte de vezes até o estádio Beira-Rio e eu acabei virando colorado doente (coloquei o número 5 na minha camisa em homenagem ao maior craque que vi jogar ao vivo, Paulo Roberto Falcão).

Quer dizer: compreenda seus irmãos quando eles virarem uns pentelhos tarados por futebol. É tudo des¬culpa. Eles estão apenas querendo passar mais tempo na companhia do pai de vocês. E entenda que eu fale sobre um assunto desses. É que este PS. foi dedicado a agosto, mês dos pais.

E agosto não é apenas o mês dos pais. É também o mês do aniversário do meu pai. Impossível resistir.

Giuliano, querido, um puta abraço. O Inter não anda lá essas coisas. Mas tudo bem. O melhor Inter, o Internacional campeão, é aquele que a gente assistia juntos lá na social do Beira-Rio. Esse Inter tá guardado pra sempre no coração. Coração que, por sinal, é vermelhinho, vermelhinho da silva.

E, pra encerrar este PS. do PS. com jeito de revista Placar, os primeiros versos do hino do Inter – versos que, na verdade, resumem tudo o que tentei dizer aqui a respeito de pais e filhos:

Papai é o maior,
papai é que é o tal,
que coisa louca,
que coisa rara,
papai não respeita
a cara.

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O texto abaixo foi escrito por Marcelo Pires e está em seu livro P.S. do P.S. do P.S., publicado em 1995. Como estamos em meio à Copa do Mundo e hoje também é comemorado o Dia dos Pais na África do Sul, nada mais justo que publicar este texto...