Houve um tempo em que se namorava muito e se pensava que se sofria muito – por amor, claro. As paixões se acendiam, embaladas pelas músicas do momento, que faziam parte integrante de nossas vidas.

Quando, numa reunião – havia muitas reuniões nessa época -, os olhares se cruzavam, enquanto se ouvia “se você quer ser minha namorada, ai que linda namorada você poderia ser”, o coração se derretia e era hora de ir ao banheiro com uma amiga, só para contar.

Uma bebidinha daqui, muitos sorrisinhos dali, e, na décima vez que o disco tocava e chegava no trecho “mas se em vez de minha namorada você quer ser minha amada, minha amada, mais amada pra valer”, e ele olhava de longe, desta vez sério, o coração só faltava sair pela boca.

Muitos anos e muitos amores depois, foi a vez de Roberto Carlos participar de todos os romances: “Você foi o maior dos meus casos, de todos os abraços, o que eu nunca esqueci” – ah, uma boa dor-de-cotovelo ouvindo Roberto. Quem nunca passou por isso não sabe o que é viver.

Num início de caso – em altíssima voltagem! – entrava Chico com “quero ficar no teu corpo como tatuagem” – e quem não queria? E, no fim do caso, dava para agüentar “as marcas de amor dos nossos lençóis”?

Se ouvia muita música e à noite,se ia sempre ao mesmo bar, onde um pianista tocava o que se tinha ouvido a tarde inteira; como todos se conheciam e sabiam das vidas uns dos outros,o pianista – Vinhas, quase sempre – atacava a “nossa” música, aquela. A noite prosseguia com os olhos grudados na porta, para ver se ele entrava. Se entrasse sozinho, era hora de ir ao toalete, não para retocar a maquiagem, mas para respirar fundo e jurar, mas jurar de pés juntos que não ia nem olhar para o lado dele. A madrugada se encarregava de mudar os planos.

Depois, veio “Deixa em paz meu coração, que ele é um pote até aqui de mágoa”. As músicas diziam tudo o que não se tinha coragem de dizer, e era como se falassem por nós. Que mulher não cantou baixinho, depois que ele foi embora, “quando você me deixou, meu bem, me disse pra ser feliz e passar bem”, e não fantasiou que quando ele ouvisse “e tantas águas rolaram, tantos homens me amaram, bem mais e melhor que você” ia imediatamente pensar nela, quem sabe sofreria, quem sabe teria uma crise de ciúmes e pegaria o telefone de madrugada? Quem sabe… quem sabe? E quando ela se “enrolou” toda com a chegada de um namorado que não esperava e ficou repetindo o disco, no trecho que dizia “se na bagunça do teu coração”, para ver se ele entendia que o coração, às vezes, vira mesmo uma verdadeira bagunça, como o dela, naquele momento?

Ah, Chico, ah, Roberto; vocês algum dia souberam que tinham sido tão importantes na nossa vida? Pois fiquem sabendo: foram.

Nesse tempo as moças não levavam os namorados para dormir em casa, ou porque tinham pais ou porque tinham filhos; para isso havia os motéis. E do primeiro a gente nunca esquece… A cama redonda com cabeceira de curvin, a piscina – uma banheira de 2 X 2 -, o som embutido na cabeceira e, sobretudo, o clima, um clima de pecado que as moças da zona sul adoravam. Quando Roberto cantava “Amanhã de manhã vou pedir um café pra nós dois, te fazer um carinho e depois te envolver nos meus braços” e ele deixava “o café esfriando na mesa, esquecemos de tudo” e vinha o “pensando bem, amanhã eu não vou trabalhar, e além do mais, temos tantas razões pra ficar”, não era preciso dizer nada: era a hora do telefonema para a empregada às 6 da manhã para que ela desmanchasse a cama e dissesse que você saiu cedo para buscar uma amiga no aeroporto, lembra? Grandes tempos.

Hoje a gente olha para trás e pensa: mas essas paixões existiram mesmo? Sem Chico e sem Roberto teriam havido tantas, tão intensas e tão arrebatadoras? Delas a gente até esqueceu, mas não do que se sentia ao ouvir “mas eu estou aqui vivendo este momento lindo”. E dá para viver momentos lindos hoje, ouvindo os Racionais MC?

Pensando bem, o grande combustível de nossos corações foram as canções de Chico e Roberto. E, olhando para trás, é bem possível que a certeza de que “se chorei ou se sofri, o importante é que emoções eu vivi” não existiria sem a música de Roberto.

Foi bom demais ter trinta anos nesse tempo.

Texto de Danuza Leão em seu livro Crônicas para Guardar

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Houve um tempo em que se namorava muito e se pensava que se sofria muito - por amor, claro. As paixões se acendiam, embaladas pelas músicas do momento, que faziam parte integrante de nossas vidas. Quando, numa reunião - havia muitas reuniões nessa época -, os olhares se cruzavam, enquanto...